preconceito contra a sintaxe. Graciliano Ramos. n.d. Substantivo. /pɾekõˈsejtu ˈkõtɾa a sĩˈtaksɪ/. Crença de que a obediência às normas sintáticas prejudica a expressividade e o valor literário de um texto. Category: Linguagem poética. Cotext: Dois mundos, o livro de Aurélio Buarque de Holanda, vem desmantelar um preconceito difundido nestes últimos anos entre reformadores da literatura indígena: a ideia de que sintaxe e bom gosto são incompatíveis. Esse engano deriva provavelmente duma observação imperfeita. Vistas, julgadas, condenadas com rigor e sem apelação numerosas obras nacionais, decidiu-se que todas se achavam redigidas em português direito — e isto se considerou uma das razões da falência delas. Tornou-se a razão principal, chegou a ser a razão única. Desdenharam-se exames atentos, exigências de pouca monta para afirmações categóricas. Não se provou a ruindade completa dos livros postos no índex. Alguns tinham páginas legíveis. Também não se demonstrou existir neles ausência de incorreções. Vários capengavam. Mas foram reputados inteiramente corretos — e péssimos. Essas generalizações muitas vezes são indispensáveis, quando alguém precisa defender tese difícil. Originou-se uma certeza — e sobre ela se ergueu parte da nossa literatura contemporânea. Liberdade. Carta de alforria. Abaixo o galego. Os direitos do homem. Caímos no exagero. Desejando libertar-nos, reforçamos a dependência escrevendo regularmente contra as normas. Nossos avós ignoravam os pronomes. Estudamos agora essas miudezas e colocamo-las sempre às avessas, não raro em desarmonia com a linguagem popular, invocada como autoridade suprema. [...] Certamente Aurélio Buarque de Holanda Ferreira utiliza muita observação e muita imaginação. Mas utiliza também o dicionário, o que talvez lhe proporcione remoques de espíritos superiores e emancipados. O dicionário, em certos meios, é tão desconsiderado como os palavrões obscenos que a crítica pudibunda repele. Contudo não poderíamos trabalhar sem ele, como não poderíamos trabalhar sem couro ou tijolos se fôssemos sapateiros ou pedreiros.. Reference: Ramos, G. Linhas tortas. Rio de Janeiro: Record, 1984. 306p. p. 271-273.